Antes, somente a esperança de ser aprovado e o sonho de uma vida melhor.
Depois, a agradável surpresa, a aprovação e o ingresso na EFOMM, a recompensa pelas cansativas horas de estudo, noites mal dormidas e o nervosismo no período das provas.
Começam as aulas, o novo aluno passa ao regime de ambientação às normas e à rotina da Escola, que se transforma em sua segunda casa pelo período de três anos. Com o passar do tempo, ele se acostuma às coisas que acontecem: os amigos do camarote, da sala de aula e da equipe, futuros companheiros na vida profissional, os Oficiais, os professores e provas, as punições e elogios, a vida social e os “lances”. Durante três anos a vida do aluno vira em torno dessas situações que, apesar de serem semelhantes, nunca se repetem com a mesma perfeição.

No segundo semestre ocorre um fato marcante, provocando grande vibração, a escolha do curso e o recebimento da estrela na gola esquerda, símbolo do profissional de Náutica.
No terceiro semestre o aluno conhece de perto a profissão que vai exercer, sendo este o mais importante de todos os seis semestres do curso. É a hora da grande decisão, esquecer a saudade e a distância, abraçar a carreira escolhida como ideal, cultivar duas existências dentro de um mesmo ser: o homem e o marítimo. Ao mesmo tempo, sente a fascinação pelas viagens, enquanto descobre outros costumes, outros povos, outros países. Abrem-se horizontes fantásticos que pareciam existir, apenas, na imaginação fértil de um adolescente.

Platinas utilizadas pelo Oficial de Náutica ao longo da carreira. (Foto: Projeto Memória)

Depois é a volta à Escola e o começo da contagem regressiva para a formatura, o mais elevado desejo de todo aluno; a troca das platinas, que concretizará o antigo sonho de ser um Oficial da Marinha Mercante. No entanto, antes que esse se realize, existe o última etapa, ou seja, a Praticagem, onde o Praticante-Aluno aplica tudo aquilo que aprendeu durante os seis semestres anteriores.

Finalmente o ex-aluno embarca como 2º Oficial de Náutica, e passa a sentir todas as emoções do mundo que havia idealizado antes. Agora até as preocupações são diferentes: baleeiras, salvatagem, rede de incêndio, extintores, navegação estimada e costeira, navegação astronômica. É nesse instante da sua história particular que acontece um momento de êxtase, a observação dos astros que cruzam suas retas e dão a posição precisa do navio; por alguns instantes, o homem se sente quase Deus, ao trazer as estrelas e planetas para o papel, como se, por um feitiço qualquer, tudo fosse possível a um simples mortal pegar pontos luminosos com as mãos.

Cerca de três anos depois, a apresentação de uma derrota, e a carta de 1º Oficial de Náutica tornam-se realidade. Outra vez as atenções tornam outros rumos: cartas náuticas, documentos e cronômetros. Ele passa a ser o “dono da burocracia” no navio e conhece de perto os agentes e todos os tipos de funcionários ligados ao mecanismo da terra, que presta apoio aos navios.

Passados mais três anos, o 1º Oficial de Náutica volta a sua velha amiga EFOMM, que tantas saudades lhe traz e sempre trará, ao rever alguns colegas de turma, as salas de aula, as quadras, as alamedas e os tijolos alaranjados. Ele volta com o propósito de fazer curso de Capitão de Cabotagem, a fim de exercer a função de Imediato em qualquer navio ou a de Comandante, nas linhas de pequena e grande cabotagem.

Em seu novo posto, ele passa a ser o responsável pela carga; no início um pouco acanhado, mas, em curto espaço de tempo, já capaz de manejar o quebra-cabeça da arrumação das mercadorias com maestria e inteligência, para melhor aproveitar todo espaço que o navio oferece em termos de transporte.

Exerce, também, a difícil tarefa de ser encarregado pela disciplina a bordo, compreendendo ou reprovando a conduta dos tripulantes, suas ações e reações, mas tendo o cuidado de agir com a máxima prudência, colocando a justiça acima de tudo. E ainda supervisiona todas as fainas do convés, o lugar do navio onde o Imediato é a figura-chave.

CLC Hildelene Lobato Bahia. (Foto: Divulgação)

Após muitas e muitas singraduras, a volta à Escola novamente, para concretizara o que, há tempos passados, parecia apenas um devaneio, a almejada carta de Capitão de Longo Curso, o último degrau na carreira do Oficial de Náutica, quando passará a ser o principal personagem do navio, ou seja, o que tem contato direto com os agentes e autoridades em qualquer parte do mundo, e que conduz o navio nas horas em que for necessário uma dose maior de experiência. O Comandante é o homem que faz do seu navio um prolongamento de si mesmo, sente a fúria da tempestade em sua pele amadurecida pela vida, o deslizar das ondas embalando seus sonhos, a grandeza do universo bem mais perto, nas estrelas cintilantes que parecem tocar o horizonte. O Comandante adquire auto compreensão de que é um homem de várias vidas e precisa de todas elas para construir um único ser, o Homem do Mar!

Texto: Revista Alegrete 1992

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Praticante Oficial de Náutica. Vice-Presidente do Jornal Pelicano e Presidente do Grêmio de Relações Internacionais da Marinha Mercante durante o ano de 2018.