Entrevista – Professor José Ricardo

O 1º Oficial de Náutica Ricardo fala sobre a etapa de instrução, os planejamentos futuros na carreira e a vida a bordo. Uma verdadeira aula para quem pensa em ingressar na profissão, para quem está já está no curso e para os que já vivem embarcado.

Após ministrar uma incrível palestra ao lado de sua esposa, a 1ª Oficial de Náutica Fernanda Madeira, durante a II Semana da Profissão, o Jornal Pelicano entrou em contato novamente com o professor de Noções de Embarcação Offshore (NEO), 1ON José Ricardo, para uma entrevista. Sempre muito presente no cotidiano dos alunos da EFOMM, o 1º Oficial de Náutica aceitou o convite, e concordou em responder algumas perguntas a respeito da vida embarcado, do atual universo mercante e da etapa de instrução na Escola.

Além de sempre tratar de igual para igual os mercantes com quem convive, embarcado ou em sala de aula, o 1ON Ricardo tem um currículo que vale a pena destacar: formado em 1999 (no tempo em que o curso durava 4 anos, com 3 embarques ao longo dele), saiu do CIAGA para trabalhar nos navios petroleiros da Transpetro, que começava a ser “criada” a partir da FRONAPE. Depois de um ano, foi convidado a trabalhar no navio Anchor Handling Tug and Supply (AHTS), Maersk Cutter. Em maio de 2008, mudou para o seguimento das plataformas de perfuração, Drillships. Teve a oportunidade de participar tanto do comissionamento quanto da construção dessas unidades no Brasil e no exterior, em especial na Coréia do Sul. Já fez cursos em escolas de marinha mercante na Dinamarca, Noruega, e na Guarda Costeira estadunidense; e afirma, sem “demagogias e tendências nacionalistas”, que a “nossa EFOMM” é a melhor de todas! Com essa enorme bagagem, foi a perfeita escolha para lecionar as aulas de NEO. Segue abaixo a entrevista com o ilustre mestre.

JORNAL PELICANO – Como o senhor enxerga a importância de ter noções sobre as principais embarcações de apoio marítimo offshore para a qualidade profissional dos alunos, tendo em vista o cenário atual do País?

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – Posso começar respondendo com uma única palavra: emprego! Estou no offshore desde 2005 e sempre em operações dinâmicas, complexas e que, no meu início de carreira, era dominada pela mão de obra estrangeira. Éramos discriminados, subjugados, maltratados e nem um pouco instruídos. Comecei a observar aquele ambiente e pude perceber que éramos tratados assim por insegurança daqueles que se faziam nossos algozes. Nós somos oficiais mercantes oriundos de uma escola de formação de nível superior, diferentemente da maioria deles. Então, sem questionar os méritos pessoais de cada um, resolvi fazer a minha parte: estudar mais, aprimorar minha fluência no inglês, trabalhar com zelo para conquistar respeito através do que eu faço.

Relacionar a qualidade na formação e o cenário atual do país é necessário. O mercado não está em seu melhor momento: a crise político-financeira afetou as empresas e, consequentemente, as oportunidades de trabalho não são tão grandes quanto há 5 anos atrás.

Um oficial com uma boa formação, bem informado e diligente no seu ofício, certamente não ficará fora do mercado de trabalho.

Hoje em dia os processos seletivos são bem extensos. Os profissionais de RH conhecem nossa profissão, nossa Escola e testam nosso conhecimento técnico. Muitas vezes a entrevista técnica no processo seletivo é com um oficial mercante experiente e atualizado. Se você mostrar conhecimento daquilo que irá operar, da embarcação offshore (ainda que somente características) onde irá embarcar, certamente sua entrevista será um diferencial favorável na hora da escolha do melhor candidato a ser contratado. Um oficial com uma boa formação, bem informado e diligente no seu ofício, certamente não ficará fora do mercado de trabalho.

JORNAL PELICANO – Por que o senhor escolheu náutica?

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – Felizmente, ou infelizmente, não sei dizer exatamente isto. Desculpem-me! Falo isso porque tive dúvida durante meu embarque, no 1º ano da EFOMM. Foram só 5 dias a bordo e na volta éramos obrigados a decidir, com um prazo de 10 dias para mudar se quiséssemos. Quando as aulas no 2º ano começaram, nos primeiros dias, me empolguei com Navegação Costeira, Meteorologia, Manobra; e pude perceber que a dúvida de dias atrás se traduzia em certeza naquele momento. Confesso que estou muito feliz e nem um pouco arrependido da minha escolha. Em momento algum da minha carreira me arrependi.

JORNAL PELICANO – Como foi sua praticagem e em qual empresa o senhor praticou?

“A praticagem é onde separamos os homens dos meninos.”

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – Minha praticagem foi “difícil” devido à minha falta de maturidade para encarar os obstáculos que surgiam na época. Isso é normal quando se tem pouca idade, muitos sonhos e sentimentos impetuosos. Embarquei em Madre de Deus (BA), na embarcação da Transpetro, o N/T Neusa. O navio era antigo; a tripulação era excelente: tanto os oficiais sêniores – Comandante, Imediato e Chefe de Máquinas – quanto eu, o praticante, estávamos pela primeira vez naquelas posições. Isso foi muito interessante pois todos nós tínhamos vontade de aprender. Nos unimos como uma família em busca de um propósito comum, pesquisando, estudando e trocando informações constantemente. Com duas semanas de embarque, sofri uma grande perda familiar: minha avó materna, a única que conhecera desde meu nascimento. Foi muito difícil, pois meu navio viajava pela região Norte e Nordeste, e ela era do interior de Minas Gerais. Não havia nenhuma possibilidade de desembarcar e visitar meus pais ou minha namorada. Nem mesmo de comunicarmo-nos, porque não tínhamos os recursos de hoje em dia. A praticagem é onde separamos os homens dos meninos. Ser um bom praticante certamente vai direcionar o início da sua carreira e estejam certos de que nem sempre se tem uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão.

JORNAL PELICANO – Tendo em vista que a maioria das embarcações offshore utiliza o sistema de posicionamento dinâmico, como o senhor vê a importância da instrução sobre esse sistema para os alunos?

Passadiço do full container Maersk Triple-E. (Imagem: Google Images)
Passadiço do full container Maersk Triple-E. (Imagem: Google Images)

“Nenhuma escola de formação de oficiais mercantes ou cursos credenciados pelo Nautical Institute fora do Brasil oferece curso básico de DP. Nós seríamos pioneiros!”

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – Acredito que atualmente seja de extrema importância. Mas, se me permitem, não para os alunos formandos ao fim do 3° ano; mas para os praticantes ao regressarem da praticagem. Todo o processo de cursar o DP (Dynamic Positioning) Básico e o Avançado, com os respectivos períodos de familiarização, na melhor das hipóteses, leva 1 ano! E o tempo só começa a contar a partir do momento que você adquire o certificado STCW. Então, pensem: Vale a pena gastar 5 mil reais, apenas pelo Básico, ficar 1 ano ou mais sem usar tal curso (porque com o número excessivo de formados e formandos, às vezes a praticagem pode chegar a durar 2 anos)? Principalmente levando em conta que, após formado, este curso poderá ser pago ou reembolsado pela empresa? Se avaliarem tal informação e acharem que seja válido, façam! Mas, na minha opinião, não vejo necessidade. Agora, se o CIAGA, que tem este curso no PREPOM, disponibilizasse de maneira curricular para o terceiro ano, certamente seria um diferencial na formação. Provaria mais uma vez a excelência da EFOMM entre as escolas de marinha mercante no mundo inteiro. Nenhuma escola de formação de oficiais mercantes ou cursos credenciados pelo Nautical Institute fora do Brasil oferece curso básico de DP. Nós seríamos pioneiros!

JORNAL PELICANO – Quais são, dentro da perspectiva do senhor, as maiores dificuldades encontradas na rotina de trabalho a bordo?

Já ouvi um comandante formado há 40 anos, que não embarca há 25 anos, dizer que o piloto offshore só sabe ‘apertar botão ou empurrar joystick.’

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – A primeira delas é a distância física daqueles que amamos e deixamos em terra quando embarcamos, e para os quais devemos voltar quando desembarcarmos. Outra dificuldade são as diferenças mal interpretadas por conflitos de gerações. Experiência não se traduz em competência! Se você passar uma vida a bordo, sem se atualizar, estudar e/ou aprimorar seus conhecimentos adquiridos, simplesmente poderá dizer que tem mais tempo de mar, mas nunca poderá dizer que tem mais experiência ou conhecimento profissional. Já ouvi um comandante formado há 40 anos, que não embarca há 25 anos, dizer que o piloto offshore só sabe “apertar botão ou empurrar joystick.”

A respeito disso, tenho duas coisas a dizer: a primeira, que isso trata-se de preconceito; a segunda: em uma embarcação AHTS, apertar um botão errado pode, em alguns casos, matar um marinheiro no convés. Me pergunto se apertar botão é fácil… Saber quais botões devem ser apertados, para que serão apertados e quando devem ser apertados é questão de competência e muito estudo. Muitas vezes só se encontra esse conteúdo em bibliografias que estão num idioma estrangeiro ou escolas que estão em outro país.

Embarcação AHTS que o 1ON Ricardo trabalhou, o Maersk Cutter. (Imagem: Marine Traffic.)
Embarcação AHTS que o 1ON Ricardo trabalhou, o Maersk Cutter. (Imagem: Marine Traffic.)

Por fim, uma dificuldade que temos de saber lidar é o sentimento de frustração diante das possíveis promoções, que não vêm quando achamos que as merecemos. Isto, às vezes, ocorre. Bom, nesta hora é preciso ter maturidade e entendimento da situação para evitar que a desmotivação faça você cair de produção e rendimento. Isso pode comprometer a qualidade e, consequentemente, a segurança operacional e pessoal do seu trabalho, num ambiente que requer dedicação e concentração. Uma dica: caso se sinta desmotivado por este motivo, converse com seu superior hierárquico ou gerente de RH e veja os pontos que você pode melhorar para não perder uma próxima promoção. Podem acreditar que novas e até melhores oportunidades, cedo ou tarde, aparecem!

JORNAL PELICANO – O senhor acredita que a experiência de professores mercantes seja importante na formação dos alunos? Por quê?

“Sendo assim, temos um misto de mercante e militar na instrução dos alunos.”

PROFESSOR JOSÉ RICARDO – Sim, sempre! Porque a escola é de formação de oficiais mercantes. A Marinha do Brasil tem uma contribuição importantíssima para nossa formação, assim como alguns professores universitários também. Devo meus conhecimentos adquiridos na EFOMM a alguns militares no exercício da docência. Vários amigos mercantes deixaram a vida embarcado de lado para servir na Marinha do Brasil na condição de professores, tanto no CIAGA quanto em outras Organizações Militares. Sendo assim, temos um misto de mercante e militar na instrução dos alunos. Mas, um ponto a ressaltar aqui é: tanto os professores mercantes atualizados quanto os que não embarcam há um bom tempo, devem buscar aprimorar seus conhecimentos. Devem fazer isso através de cursos, estudos contínuos, visitas a embarcações, troca de informações, e etc… Sejamos razoáveis em concordar que, em algumas disciplinas, não se convém um docente sem experiência mercante, ou que tenha uma vasta experiência em uma embarcação ou laboratório muito diferenciado da realidade vivenciada no nosso cenário diário de trabalho. Tal fato é provado, por exemplo, pela própria legislação que preconiza a necessidade de, mesmo experientes oficiais da MB, terem de realizar o curso de Atualização de Náutica para Oficiais (ATNO), no CIAGA, antes de embarcarem como mercantes na navegação tradicional ou no offshore.

1ON Ricardo, homenageado da turma 2013 de náutica, em discurso aos seus alunos. (Foto: Al. Stephanye, Renata e Natália / Jornal Pelicano)
1ON Ricardo, homenageado da turma 2013 de náutica, em discurso aos seus alunos. (Foto: Al. Stephanye, Renata e Natália / Jornal Pelicano)

O professor José Ricardo se encontra novamente trabalhando embarcado após o fim da grade curricular da matéria de NEO semestre passado. “Afinal, preciso estar atualizado, aprender novas tecnologias e novas operações, para melhor instruir futuramente”. E continua: “Não medi, não meço e jamais medirei esforços para cumpri-lo no intuito de ajudar os alunos da EFOMM ou PREPOM, para que eles tenham uma formação de excelência digna da nossa escola.” Mas nunca perde a oportunidade de voltar ao lar. Através de suas palestras, dá a esperança e a motivação necessária para os alunos de nossa Escola. Recentemente, suas palavras emocionaram seus alunos, os respectivos familiares e vários oficiais durante o Almoço dos 100 Dias. E, após esta entrevista, pediu um espaço para falar diretamente com seus futuros companheiros de bordo. Veja na página seguinte alguns conselhos que mestre deixou aos seus alunos.

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Aluna do Segundo Ano de Naútica da Escola de Formação de Oficias da Marinha Mercante