Embarcar em um navio é uma emoção que, infelizmente, não está ao alcance de todos. Aqui no Brasil, ainda não possuímos uma tradição marítima, apesar de mais de 7.400 Km de costa banhados pelo oceano atlântico, mas posso assegurar-lhes que é algo bastante diferente. É sentir-se livre de terra, mais independente e responsável.

A bordo de um navio tudo deve funcionar harmoniosamente, a fim de se formar uma engrenagem perfeita, que torna o navio verdadeira cidade flutuante, autônoma enquanto navega. A partir do instante em que a última espia foi desencapelada do cabeço ou que o cabo de reboque foi largado, o navio passa a operar por si só; o pessoal de bordo passa, então, a constituir uma família durante dias, semanas ou meses.

É sabido que a convivência em locais restritos, geralmente, é difícil, do que temos vários exemplos, mas o objetivo em comum, como o amor pela profissão, o respeito pelo mar, a admiração à natureza, trazem consigo laços de amizade. Iniciar um conhecimento a bordo é algo fácil, pois o fato de estar a bordo já é um elo de ligação muito forte.

São as pessoas que você encontra quando está entrando ou saindo de serviço, que sobem ao passadiço ou descem à máquina para tomar ciência da situação, sanar dúvidas ou, simplesmente, para conversar; que sentam a sua mesa na hora da refeição; que cruzam nos corredores, escadas ou elevadores; que reúnem para assistir um filme, jogar cartas ou, apenas, para estarem juntos. Assim, a distância e a solidão são atenuadas. São pessoas nas quais você confia sem maiores temores, pois são amigos das horas difíceis, dos problemas de bordo, dos momentos de mau tempo, das vezes em que a ausência dos familiares e amigos torna-se mais intensa.

Analisando-se por outro lado, são todos profissionais , empregados de uma mesma companhia de navegação e filhos de uma mesma pátria, a quem prestam valiosos serviços.
A vida de bordo é sofrida. Não há finais de semana ou feriados; trabalha-se nos dias santificados, sob o sol quente de áreas tropicais ou no rigor do inverno europeu. Mas o marítimo ama e dá valor ao que faz, tentando amenizar essas intempéries. É o representante do povo brasileiro, verdadeiro embaixador de nossas terras, atos e costumes. Por essas razões, é de se notar a importância e responsabilidade que caem sobre os seus ombros. O marítimo defende os direitos de sua companhia, seu país, da sua profissão e de seus próprios interesses, coisas nem sempre conciliáveis.

Além do horário de serviço, encontramos nossos oficias desempenhando funções diversas. Alguns aprofundam-se no estudo da própria profissão, outros em matérias de conhecimento geral. Estudando línguas ou escrevendo cartas, todo o tempo a bordo é ocupado. Como se diz, há sempre fainas a serem realizadas.

Em uma profissão tão diferente e pouco conhecida, onde se passa por aventuras que nem sempre recebem crédito, tenho, antes de tudo, a certeza de que o espírito marinheiro ainda grita selvagemente no fundo do peito dos “lobos do mar”, talvez hoje mais desenvolvidos tecnologicamente, mas , também, mais consciente de sua grande importância para nossa Nação.

Texto: Al. Denys Lessa – Revista Alegrete de 1986

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Praticante Oficial de Náutica. Vice-Presidente do Jornal Pelicano e Presidente do Grêmio de Relações Internacionais da Marinha Mercante durante o ano de 2018.